Sabe o que é um ensaio clínico e quais são as mais-valias deste tipo de estudo? Tem conhecimento da participação de Portugal em ensaios clínicos na área do cancro do pulmão?
Conversámos com a Dr.ª Fernanda Estevinho, oncologista no Hospital Pedro Hispano – Unidade Local de Saúde de Matosinhos e membro da Comissão Científica do GECP, para nos ajudar a realçar o importante papel dos ensaios clínicos a vários níveis e fazer um balanço da participação dos
nossos hospitais e centros, deixando ainda alguns conselhos sobre a forma como monitoriz ar o recrutamento para estes estudos.Por ensaios clínicos designam-se os estudos clínicos com intervenção de medicamentos, e estes desempenham um papel fulcral no desenvolvimento de novas opções terapêuticas.
Quando falamos num tumor agressivo como o cancro do pulmão é essencial o desenvolvimento de tratamentos cada vez mais dirigidos, mais eficazes, associados a maior sobrevivência e controlo de sintomas, com melhores perfis de tolerância e melhoria de qualidade de vida.
A investigação básica e de translação vão ser as bases para identificar as terapêuticas a estudar em ensaios clínicos, de fase I a IV. Durante a concepção e realização dos ensaios clínicos existe uma rigorosa monitorização de todo o processo, e seguimento dos princípios das boas práticas clínicas de forma a optimizar os benefícios e reduzir os riscos.
Os benefícios refletem-se, desde logo, ao nível individual, no doente que tenha a possibilidade de realizar em regime de ensaio clínico um fármaco eficaz e inovador; e ao nível populacional, levando à alteração das guidelines internacionais e nacionais, e consequentemente à disponibilidade dos fármacos na prática clínica.
Podemos objetivar este segundo ponto quando falamos no benefícios que alguns ensaios clínicos demonstraram: a combinação de cisplatina com pemetrexedo, estudada em cancros de não pequenas células não escamoso revelou uma redução da mortalidade de 19%, as primeiras terapêuticas dirigidas a doentes com cancro do pulmão metastizado e mutação do EGFR aumentaram a taxa de resposta de 47% para 71%, a imunoterapia em monoterapia, em doentes com cancro do pulmão de não pequenas células avançado, em primeira linha aumentou a sobrevivência global com um HR de 66%, observando-se que a sobrevivência global aos 5 anos duplicou. Felizmente, houve muitas outras opções terapêuticas que recentemente revelaram benefícios, e tal só foi possível devido à realização de ensaios clínicos. É de realçar, que os primeiros doentes a beneficiarem desta inovação são aqueles que neles participaram.
2 – Que balanço faz da participação de Portugal nos últimos anos em ensaios clínicos na área dos tumores torácicos? Como poderemos melhorar neste âmbito?
Temos uma história rica de realização de ensaios clínicos nacionais da iniciativa do investigador, como o ensaio clínico COIMBRA, o MUTAR, outros ensaios clínicos que estudaram diferentes combinações de fármacos, formas diferentes de administração de fármacos ou o número de ciclos. Atualmente, além de ensaios clínicos internacionais, observamos também o desenvolvimento de alguns ensaios clínicos nacionais, da iniciativa do investigador.
Contudo, considerando as necessidades dos nossos doentes, a disponibilidade de ensaios clínicos está aquém do desejado, sendo inferior à oferta em outros países com história de elevado recrutamento, como Espanha. Assim, a título de exemplo, em Portugal, em Fevereiro de 2022 estão em recrutamento cerca de 16 ensaios clínicos, e em Espanha aproximadamente 184.
Esta necessidade é sentida a nível nacional como revelado pelo inquérito realizado pelo GECP em 2020, em que 77,1% dos médicos que responderam ao questionário referiram que gostariam de ter um maior número de ensaios clínicos.
Como médicos temos o objetivo de dar o melhor tratamento a cada doente, com maior eficácia e melhoria da qualidade de vida. Esta procura da melhor opção terapêutica, em muitas situações, e pelo que referi na questão anterior, passa pela procura de ensaios clínicos. Em algumas situações existem ensaios clínicos com opções terapêuticas dirigidas e promissoras, que não estão disponíveis em Portugal, havendo a possibilidade da deslocação do doente, com todos os inconvenientes associados. Também dentro do País, esta deslocação para um centro que tenha um ensaio clínico poderá, após avaliação com o médico assistente, ser a melhor opção. Esperamos por um futuro com mais ensaios clínicos e mais e melhores opções terapêuticas.
3) De que forma os centros locais poderão monitorizar o recrutamento constante para clinical trials? Que conselhos deixa aos seus pares?
As formas de monitorizar e aumentar o recrutamento são diversas, passando pela verificação dos critérios de inclusão nas consultas de grupo até à divulgação por outros centros.
Um dos principais conselhos é divulgar a existência dos ensaios através das diversas plataformas disponíveis, por exemplo o site do GECP, bem como os centros e os investigadores. A mobilidade de doentes de um centro para outro pode permitir ao doente ter acesso a uma nova opção terapêutica.
Um segundo conselho é a criação de centros de investigação local, sempre que não existam, e realizar reuniões periódicas de forma a monitorizar os ensaios em curso, procurando proativamente novos ensaios para iniciar recrutamento.
4) Quais são, na sua ótica, as vantagens de participar em ensaios clínicos para os centros, na perspetiva micro, e para o País, numa perspetiva mais macro?
Se ao nível individual pode haver benefícios como o acesso a novas terapêuticas, no contexto nacional se apresentarmos um bom recrutamento, teremos, sem dúvida, mais possibilidades de conseguirmos trazer outros ensaios clínicos. Muitos de nós já passamos pela experiência de encontrar o ensaio clínico perfeito para o nosso doente e este só estar a recrutar noutro continente…
De igual forma, ao nível mundial terá o benefício de acelerar a investigação nesta área de patologia, com o desenvolvimento de melhores opções terapêutica no que se refere a sobrevivência ou qualidade de vida.
5) Quer deixar um comentário final sobre o papel do GECP neste campo?
O GECP celebrou em 2021, 21 anos de existência.
São anos de intensa atividade no domínio da investigação, desde os ensaios clínicos da iniciativa do investigador aos estudos da vida real, de apoio à formação, de fomento à multidisciplinaridade e a colaboração inter-institucional.
Os ensaios clínicos desempenharam e continuarão a ter um papel fulcral na evolução terapêutica, alimentando-se da investigação e levando ao desenvolvimento e aprovação de tratamentos mais eficazes e que permitam melhor qualidade de vida.
No ano de 2022 e no futuro, queremos continuar a crescer pelos e para os nossos doentes!