No início de cada época vacinal é frequente os doentes com cancro do pulmão apresentarem dúvidas sobre se é benéfico e seguro fazerem a vacina contra a gripe. Este ano a pandemia por COVID-19 veio trazer ainda mais incertezas neste tópico. Por este motivo o Grupo de Estudos de Cancro do Pulmão (GECP) e a Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão (PULMONALE) uniram esforços para esclarecer todas as questões mais frequentes à volta deste tema, numa campanha conjunta que visa desconstruir receios infundados e alertar para a importância da vacinação contra a gripe nesta população.
É a principal arma de prevenção contra a infeção pelo vírus influenza, prevenindo esta doença e as complicações mais graves que lhe possam estar associadas.
A vacina da gripe expõe o nosso organismo ao vírus inativado, fazendo com que produza anticorpos, ficando preparado para uma resposta mais eficaz caso haja infeção posterior. A vacina é diferente todos os anos, contendo as três ou quatro estirpes de influenza que a investigação prevê que serão mais prevalentes em cada ano.
Quando comparamos com a população geral, a infeção por influenza está associada a maior risco de complicações e mortalidade em doentes com cancro. Os vírus da gripe afetam principalmente o sistema respiratório, sendo uma das suas principais complicações a pneumonia. Deste modo, os doentes com cancro do pulmão são especialmente vulneráveis, uma vez que em muitos casos os seus pulmões já estão comprometidos. Acresce que muitos doentes com cancro do pulmão têm também outras doenças crónicas, incluindo a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), o que confere risco adicional de complicações da gripe.
Idealmente a vacina deve ser administrada cerca de duas semanas antes de cada época gripal, que é o tempo que o organismo demora, em média, a produzir anticorpos. O período de vacinação é no entanto mais prolongado, tendo início em Outubro de cada ano, e devendo todos os grupos de risco estar vacinados até ao final do ano.
A vacina da gripe não contém vírus vivo, pelo que não existe risco de desenvolver infeção, mesmo estando imunodeprimido. Contudo, se existir imunossupressão, a vacina pode não ser eficaz em criar imunidade.
A mortalidade associada a infeção por influenza em doentes com cancro sob quimioterapia é muito superior à da população geral, rondando os 10%. Por este motivo, a vacina está recomendada em doentes sob quimioterapia, devendo ser idealmente administrada duas semanas antes do início dos tratamentos. Quando administrada já no decurso da quimioterapia, deve ser dada entre os ciclos, numa altura em que se preveja que os valores de leucócitos estejam no seu máximo.
A imunoterapia é uma terapêutica relativamente recente, não havendo ainda evidência suficientemente forte para recomendar ou contra-indicar a utilização de vacina da gripe nesta situação.
Duas principais questões se colocam: se a vacina é eficaz, e se é segura nestes doentes. Os dados disponíveis apontam para que a vacina seja igualmente eficaz nestes doentes, tendo sido detetados após a administração da vacina níveis de anticorpos no sangue suficientemente elevados para conferir proteção. Quanto à segurança, alguns estudos apontaram para um potencial risco de a vacina aumentar os efeitos adversos imuno-mediados que podem ocorrer em doentes sob imunoterapia. Contudo, estudos posteriores não confirmaram essa hipótese, mostrando que a vacina é segura nestes doentes.
Com base nestes resultados, algumas entidades, como a Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), já recomendam a vacinação anual contra a gripe de doentes com cancro sob imunoterapia, enquanto outras consideram que ainda são necessários mais estudos.
A revacinação anual contra a gripe é fundamental por dois motivos. O primeiro é que a proteção conferida pela vacina cai progressivamente nos seis meses que se seguem à sua aplicação. O segundo é que todos os anos existe variação dos subtipos de Influenza circulante, o que faz com que a imunidade que a vacina oferece num ano, não seja válida no ano seguinte.
Bayle A, Khettab M, Lucibello F, et al. Immunogenicity and safety of influenza vaccination in cancer patients receiving checkpoint inhibitors targeting PD-1 or PD-L1. Annals of Oncology; https://doi.org/10.1016/j.annonc.2020.03.290
Sim, mesmo recebendo a vacina, é possível ter gripe. Sobretudo se os vírus presentes na vacina desse ano não coincidirem completamente com os vírus dessa época de gripe. No entanto, mesmo que tenha gripe, a doença não deverá ser tão grave como seria se não tivesse sido vacinado.
Independentemente da vacinação contra a gripe devem ser sempre mantidos comportamentos para redução de risco de infeção, incluindo medidas de etiqueta respiratória (ao espirrar ou tossir proteger a boca com um lenço de papel ou com o antebraço e não utilizar as mãos; utilizar lenços de papel de utilização única), lavagem frequente das mãos com água e sabão e redução, na medida do possível, do contacto com outras pessoas.
Existe a ideia errada de que podemos “apanhar” gripe através da vacina. O que pode acontecer é o desenvolvimento de alguns efeitos que “imitam” os sintomas da gripe, tais como febre ligeira, dores musculares ou náuseas. Pode também ocorrer inchaço ou dor na zona onde foi administrada a vacina.
A Norma no 016/2020 de 25/09/2020 da Direção Geral de Saúde (DGS) define os grupos abrangidos pela vacinação gratuita, ministrada nos centros de saúde. Nesta norma não está prevista a gratuitidade para doentes com cancro no geral, mas apenas nos que estão sob quimioterapia, que apresentem outra forma de imunodepressão, e ainda os doentes da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. A vacinação gratuita está também prevista em pessoas com idade igual ou superior a 65 anos e com DPOC, situações frequentemente coexistentes em doentes com cancro do pulmão.
Para as pessoas não abrangidas pela vacinação gratuita, a vacina contra a gripe é dispensada nas farmácias comunitárias através de prescrição médica, com comparticipação de 37%.
Não. A Gripe e a COVID-19 são ambas doenças respiratórias contagiosas, mas são causadas por vírus diferentes. A COVID-19 é causado por infeção por um novo coronavírus (denominado SARS-CoV-2) e a gripe é causada por infeção por vírus influenza.
Neste momento, não há ainda vacina para prevenir a COVID-19, e a melhor maneira de prevenir a doença, é evitar a exposição a esse vírus.
Importa salientar, no entanto, que tomar a vacina da gripe na época 2020-2021 é mais importante do que nunca, pois pode ajudar a reduzir o impacto geral das doenças respiratórias na população, diminuir a carga sobre os nossos sistemas de saúde em resposta à pandemia e economizar recursos médicos para o atendimento de doentes com COVID-19.
Informe-se junto do seu médico assistente se deve ser vacinado e onde pode ser administrada a vacina.
O GECP e a PULMONALE alertam ainda que para reduzir a mortalidade relacionada à influenza em doentes com cancro do pulmão, são necessários esforços para melhorar as taxas de vacinação não apenas no doentes, mas também nos seus familiares, conviventes e cuidadores, e ainda entre os profissionais que lhes prestam cuidados de saúde.